sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Água Tónica

Olho-me num espelho. Visualizo o meu olhar. Sinto-me bonita. Sou bonita. Recordo a voz que me disse "minha escrava linda". Sorrio. Os lábios brilhantes do baton. O olhar sereno, pausado, feminino e maturo. Feliz... a pele brilhante, o corpo cansado. A dor nos pulsos, nas pernas. Os flashes que me fazem sorrir. À memória... a criança de brinquedo na mão, que se excita fazendo maldades. Vibro, tremo de cansaço. Brinco dizendo que passei a noite a montar. E ser montada.

O abraço na manhã, os beijos. O chá, a água tónica. Sento-me na sanita urino e do meu cu água tónica. Sorrio. O absurdo. O riso de criança em mim. Coro enquanto visualizo a cena. De quatro a ser fodida na cona com uma garrafa de água tónica no cu. A vela sobre as costas. "Se cair...". Se cair... caíu. E eu chorei. Chorei muito. "Maricas".

- Estás apaixonada? - pergunta-me deitado com a cabeça encostada à almofada.
- Não - respondo apressadamente. A medo... - às vezes. Não sei. É cedo. Não sei...
O medo que a paixão destrua a submissão. O medo da rebelião em mim. "Maricas". Que maricas eu estava.

"O teu cu é profundo. Profundo como a tua cabeça. Cu de puta profunda."
A excitação, a valorização entre arfares e suspiros. Os pensamentos desonestos que conto rindo. Rimos os dois. É bom. É tão bom rirmo-nos de todo o nosso jogo e de toda a nossa loucura. O meu desejo. O meu desejo exagerado. Libertar-me no afecto. No acarinhar, no esconder a cara nos Seu ombro. Encostar a cabeça e agradecer num sorriso interno, aberto, na paz.

A surpresa. Eu lavando loiça. Despenteada, suja, a italiana dos filmes do Fellini. "Senhor", sorrio, as falhas. O que não fiz, o que tenho de fazer. Que fazer? Beijá-lo? Diga-me, diga-me o que quer, agarre-me e tenha-me. Sua.

E no choro, naquele choro de angústia pré-histórica o sofrimento, a dor, completos. Novidade em mim. Uma dor, uma dor imensa. Como se a morte me tivesse levado. Como se a morte tivesse levado alguém muito próximo. Não sei quem. Tento pensar em quem. Quem poderia ser? Quem tão próximo de mim já foi para que eu sinta assim e assemelhe? O abraço. Abraça-me. Em ovo. Enrolados. Em ovo.

O choro, o riso, o sorriso, desta vez olhei para trás e vi-O partir. Cruzámos o olhar, sorrimos distantes mas tão perto. Cruzei a esquina acenando. Voltei atrás para matar a sede. Reti na memória a sua imagem andando como quem passeia. Tive vontade de correr e abraça-Lo. Mas virei costas e sorri. Pulei e corri para apanhar o autocarro.

Sem comentários: