segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Jamaica

Ela olhava em frente com os olhos mortos de brilho e eu não sabia se me olhava ou se simplesmente me encontrava no espaço vazio que o seu olhar abarcava. Tinha cara de perdida, a cara que eu tivera durante muitos anos, cara de quem está ali como poderia estar em qualquer outro local. Cara de louca pasma. Cara de quem não tem prazer, nem no que faz nem em nada que a rodeia, expressões mortas pela desilusão e falta de vontade de uma mente que sente já ter visto tudo. No entanto apesar da expressão vazia do seu olhar, de alguma forma eu sentia que seus olhos abarcando o que se encontrava na sua frente se fixavam em mim.

O meu olhar era de louca, mas louca feliz, sorridente, louca de dançar. de libertar o espírito através do corpo, dos movimentos dos braços, das ancas, dos pés que deslizavam, batiam, das pernas que se moviam, pulavam, elevando um corpo que queria desfazer-se em pedaços de cansaço feliz. Sorri ao pensar que bebendo água e a pular daquela forma provavelmente pensariam que punha pastilhas. Sorri por pensar que não necessitava, não mais, de alcool no sangue para me libertar, para dançar, para ser louca, para me sentir bem. Uma vitória muito minha, muito pessoal e que guardo no meu peito.

Voltei a olhá-la e desejei entrar naquela alma, tocar aqueles cabelos despenteados, desgrenhados de quem correu mundo, afagá-la contra mim. Senti-la quente do meu calor. “Descansa aqui, encosta a tua cabeça e descansa. Não precisas de pensar, só por agora...” Aquele corpo a pedir descanso a uma mente exteriormente parada e que se recusa a permitir descanso. Interiormente uma mente em ebulição com rasgos de água fria. “Sinto-te e quero abraçar-te, quero ser tua mãe, tua amante”.

Um desejo muito feminino de tocar seus seios, de afagar a curva dos ombros, de beijar o ventre. Sem líquidos, sem penetração, sem orgasmos, sem êxtases. Sem as típicas chapadinhas de consolo ridículas dos homens, que me fazem sentir mais uma que se atura que uma que se aceita. Calmaria, desejas serenidade, eu dou-te... Quero compreender-te, entender-te, fazer-te companhia sem palavras, ou com elas. Dar-te o que procuro? Dar-te o que me lembro de ter querido há muito tempo atrás. Perdida, menina perdida, mulher perdida.

Levo a garrafa de água à boca e eis que sinto uma mão na anca. Uma mão quente e larga. Sabe-me maravilhosamente bem aquele toque, aquele puxar sem força, como se quem o fizesse me conhecesse, me desejasse, como se o corpo que tocasse lhe pertencesse e não fosse meu. Anda, satisfaz-me. Cola-te a mim corpo dançante, embaciado do ritmo e da água que bebes”.

Virei a cabeça e vi o sorriso bonito do preto que dançava a meu lado. Já antes me tinha enlaçado para com as suas pernas abrir as minhas tocando-as, ameaçando passar sob mim, ameaçando colar-se, ameaçando penetrar-me com o corpo que eu senti querer o meu. Eu deixara, sentira prazer, gostara, e racionalmente no final de segundos desenlaçara-me, desejo curto, desejo flash. Havia outros a quem desejava mais, na realidade não o desejava, desejava um corpo qualquer que podia ser o dele mas que não queria que fosse o dele. Não queria dizer que sim á tesão existente entre as suas pernas. Naquele momento o meu desejo virava-se para um outro negão alto e bonito postrado atrás de mim, com quem o meu olhar cruzara várias vezes. Beijar aqueles lábios carnudos, senti-los vibrar pelo meu corpo, observar-lhe e sentir as covas das nádegas, as coxas firmes movimentando-se em direcção ao meu buraco que engolia o seu membro avidamente. Calor, humidade, suor, tesão. Satisfação num sorriso, num suspiro, em vários. Gemer.

Fechei os olhos e imaginei-me a ser penetrada por aquele homem de pele escura e lustrosa. Colocava-me as mãos no rabo e chegava-me a ele, esfregando-se contra a minha rata. Eu gemia, gritava, suspirava e ele satisfazia-me. Era a minha máquina de orgasmos, de penetração, de prazer, de foda. E como fodia maravilhosamente bem... e eu apenas lhe pedia isso, somente isso, um corpo, um toque, sensações físicas. Que conforto, que descanso, que paz. Ser o que se sente com os sentidos, ser apenas porque existe um exterior, porque somos tocados, não porque temos alma, mente, pensamentos e sentimentos.

Desci à casa de banho para me assoar. Durante a espera observava três raparigas que tinham acabado de entrar e se tinham dirigido directamente à casa de banho afim de comporem a maquilhagem, o penteado, o visual no seu todo. Perguntei-me o motivo de me sentir revoltada, de desdenhar ou simplesmente me sentir triste perante semelhante cena? Eu também verifico o visual, apenas o faço sozinha sem precisar de companhia. E verificar é a palavra certa pois quer goste quer não, nada mudo, não tenho comigo nem escova, nem pincel, nem batom, nem uma mala com um pacote de lenços.

O meu medo de mostrar o meu lado feminino, talvez porque sempre o associei a futilidade e dispêndio de tempo. O valor que a puta da imagem tem e que eu nunca quis que tivesse. E como que para castigar-me, calçava sapatos masculinos, vestia calças largas e camisolões; o cabelo frente aos olhos tapando o rosto e um andar arrastado finalizava o quadro que eu pintara de alguém que não quer viver de aparências e imagem.

No entanto descobrira que existiam mulheres interessantes, inteligentes e cultas que se arranjavam, que se tratavam. A médica da segurança social de uma pureza extrema. Cada poro respirava saúde, qualidade de vida, nem uma ruga, um ponto negro, uma mancha. As mãos impecavelmente arranjadas. Como eu adorava mãos femininas arranjadas, de unhas limadas e cortadas e dedos lisos. Mulheres com carácter e bonitas, ainda que por vezes a beleza não fosse uma dádiva da natureza mas da vida.

Ele sorriu para mim num movimento de cabeça meu e eu fingi não ter visto. Os olhares trocados se provocados mais um pouco poderiam ter originado orgasmos, mas eu não me permiti a tal. Não tinha autorização. Não tinha pedido para foder e na realidade nem sabia se queria acabar a noite com um corpo estranho do meu lado. Acabara de uma forma deliciosa, com um corpo de uma loira falsa enfiada num pijama meu. Uma loira que me ouvia e tentava compreender sem que o conseguisse na maioria das vezes, mas que no essencial me queria bem, me desejava o melhor. E eu sentia-o, apesar de não gostarmos da mesma música, de ler os mesmos livros, do mesmo tipo de homens. Quase nada nos unia a não ser a amizade. A não ser o bem que queríamos uma à outra, a não ser o facto de sermos duas pessoas sós à procura de preenchimento de formas completamente distintas. Uma loira de olhar doce à procura de amor de uma forma sincera e aberta. Uma loira a quem tinha falado das mentiras contadas ao longo dos últimos meses : as fodas, a minha submissão, a minha escravatura, as minhas experiências, o meu crescimento. Sentira-me melhor não porque houvesse qualquer identificação ou sentisse compreensão ou aceitação, mas as porque poderia deixar de mentir. Mentira, bola de neve. Trabalhoso mentir, é estar atento, atento a pormenores que não valem nada. Atenta ao que disse e deixei de dizer. Um jogo que prefiro não jogar.

Os porteiros vestidos de preto abriram-nos a porta e deixaram-nos passar. Saímos e logo ali um táxi.

Em casa a Isabel entrou no irc e o Senhor estava lá. Senti-o longe, longe de mim. Após conversar com a Isabel e em retrospectiva relembrar o que tenho vivido, descoberto e aprendido desejei abraça-lo. Dizer-Lhe que sou sua, que Lhe pertenço. Pedir-Lhe desculpas, ajoelhar-me a seus pés e banhar-lhos com as lágrimas que deito neste preciso momento sentada na minha cama escrevendo.

A Isabel tinha deixado o irc ligado e após a conversa dirigi-me lá mas o Senhor já tinha saído .

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