Dava-me a mão e saía com passo firme e largo. Eu acompanhava-a arrastando-me, correndo para não tropeçar no seu corpo alto e grande. Era a sua cadelinha. A que ela usava presa à mão, como se o meu braço de uma trela se tratasse. Onde íamos? Não sabia. Não perguntava. Não tinha curiosidade em sabê-lo. Ía. Onde ela fosse eu ia também. Colocava na sua mão a minha mão e o destino da viagem.
Percorríamos os bares de mão dada. De vez em quando fazia-me parar e beijava-me. Lingua na lingua, lábios e humidade. Dizia que eu beijava mal. Eu corava... ainda não me habituara ao seu toque em mim. Às suas mãos no meu corpo, ao meu pescoço erguido e levantado na procura do seu olhar. Ela no alto... eu em baixo, pequenina.
Inicialmente vivia o beijo, as carícias, depois apercebera-me do jogo. O jogo de excitar os homens que nos observavam e começara a olhar em redor, envergonhada, exposta. Sorria-me dizendo “vamos excitá-los e dar-lhes nada. Zero.” Eu ria-me da sua maldade de menina num corpo de mulher feita. Loira, ombros largos, andar de matadora, força de touro, sensualidade de Diva.
Adorava o seus seios, grandes, de rego deliniado ao centro. Neles gostava de me perder, de me esfregar e despentear. Era ali naquele peito que encostava o nariz e cegava o olhar, entre o decote malicioso muitas vezes alargado com os dedos das mãos que eu conhecia tão bem. Era a menina. A sua menina. A putinha que ela protegia e não gostava de partilhar. Ralhava-me por eu ser assim dada, comunicativa que não media com quem falava e o que dizia. Por poder ser mal interpretada, parecer uma oferecida. Eu juntava as minhas mamas raquíticas dentro do soutien, e tentava imitar o seu rego. Sorria mostrando-lhe orgulhosa a junção da carne que segundos depois já estava novamente separada. Ela ria-se. “Tonta”.
Por vezes, a sós, provocava-a mostrando-lhe a puta. A que quer e gosta de dor, cheiros e urina. A debochada que é capaz de erotizar uma colher, fantasiar com o mendigo da porta da igreja, ironizar em detalhados relatos a vida sexual do vizinho de cima.
Começara por a odiar, por sabê-la aversa à minha personalidade. Eu a agradadora, a que procura consolo, identificação, carinho e aceitação. Ama-me. Ama-me como sou, por favor. “Vê além do que mostro, vê também o que mostro.” Odiara-a porque ela não me tinha amor. O medo de não ser aceite. Aquela mulher fria, firme. Com o tempo aprendera a buscar-lhe a vulnerabilidade. Com o tempo ao mostrar-me ela foi-se mostrando. E na cumplicidade nasceu o desejo. O desejo de ser possuída. Dilacerada, de desmaiar nos seus braços entre aquelas mamas.
Na noite, enroladas, enrolando um qualquer que nos atraísse. Vendo-os, excitara-me. Voltara para casa com o homem, ela seguira sozinha, ambas sabendo que entre nós não existia espaço a outro, a outro género, a outra pessoa. A não ser por exibicionismo, a não ser por voyerismo. Ambas sabendo que ele me acompanhara como podia tê-la acompanhado. Ela permanecera sozinha. Decentemente sozinha, esperando... aguardando... reservando-se.
Abruptamente deixámos de nos ver. Amando uma a outra, recolheramos ao silêncio. Ao silêncio de quem nada pode fazer para mudar o outro. Nem eu a ela, nem ela a mim. Permanecemos assim muito tempo. Algum tempo. E no reencontro, eu deitada no seu sofá. Observando, recordando o desejo. Sentindo o desejo, falando das vezes em que fantasiara com ela, em lambê-la, em senti-la, em ser sua, em ser minha, em roçar-me no seu porte grande, em sentir-me pequenina, pequenina nos seus braços e entre as suas coxas. Ela sentada em pose de rainha, na sua cadeira ouvia-me, os olhos brilhavam. Aproximou-se e beijou-me. E naquele beijo todo o desejo de meses, toda a vontade interrompida, toda a fantasia realizada. “Toma-me”.
Ordenou que me despisse e me colocasse de gatas. Nada disse. Obedeci. Queria-a, e queria assim, assim como ela queria, como ela quisesse. Era sua... e naquela posição aguardei, aguardei por uma chibata que me tocou forte. Um ai, a medo. Um ai desejoso de mais. Finalmente a seus pés, deliciando-me a seus pés, sentindo-me a menina que outrora passeara de mão dada pelas ruas do Bairro correndo para a acompanhar. A menina excitada pelos beijos e carícias, manipulada pelos toques e sevícias. Vem. “Toma-me”.
E deitada no chão da sala, numa posição incómoda mandou-me masturbar. E eu fi-lo com a vontade de me esfregar, de me continuar a esfregar naquelas mamas, de enloquecer entre as suas pernas, de a beijar, beijar, beijar... “Deixa-me”.
A ponta da chibata tocando-me ao de leve. Eu querendo... ela cortando, negando-me. Eu querendo... ela sorrindo, parando-me.
- Má, que má és.
- Sim, e por isso me amas.
-Sim por isso mas também porque sei que por baixo da ponta dessa chibata está alguém como eu, procurando afecto.
E desta vez não foi irónica. Desta vez não o negou. Olhou-me e instigou-me a tocar-me mais e mais fortemente. Mais e com mais desejo. Por ela, por acabar, por terminar, por me esvair em liquídos, em tremores, em pulsões. Gemia. Gemia... e num flash de racionalidade:
- Fechaste a porta? O teu filho...
O corte foi surpreendente, e antes de me arrepender estava dito. Foi à porta, fechou-a. Mas era tarde, tarde para nós, tarde para retomar, tarde para concretizar. O desejo tornara-se platónico. Como algo que queríamos lembrar que poderíamos ter vivido. Como algo não concretizado e não necessário de concretizar.
Por vezes desejamos ter algo a três, um homem que me faz um minete dominado por ela. Um homem que ela usa para me dar prazer, o prazer que sabe que posso ter, o prazer que ela não me pode dar...
Hoje sorrimos e beijamo-nos. Em nós o desejo calmo e sereno de quem não precisa de ter para saber que tem.
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